Um tinto para Santa Tereza


Por causa de um vinho de homenagem a Santa Teresa d'Ávila fomos conhecer a Quinta da Lapa, projecto que mistura vinhos com turismo. Tudo em grande nível.

Os vinhos Quinta da Lapa não me eram estranhos, mas, por uma razão ou por outra, não conhecia a quinta, a sua história, os responsáveis ou o enólogo. Portugal é um quintal vitícola comparado com os seus vizinhos, mas, ainda assim, podemos passar uma vida a escrever sobre vinhos e não conhecermos todos os projectos vitícolas nacionais.

É a vida. Estava eu à mesa do restaurante Forneria São Dinis, em São Miguel, e entretido com um costeletão mais menos maturado, quando os companheiros de mesa Sílvia Canas da Costa (administradora da Quinta da Lapa) e André Magalhães (Taberna da Rua das Flores) me falaram de um vinho especial que a quinta do século XVIII iria lançar. Era agora. E assim, na semana passada, lá fui para os lados de Manique do Intendente estarrecer-me, mais uma vez, com a minha ignorância. Dois ou três quilómetros depois de passar as ruínas do Palácio Pina Mapique, serpenteei por umas colinas bonitas até chegar à entrada da Quinta da Lapa, onde passeava distraidamente Jaime Quendera, enólogo de casas famosas na Península de Setúbal e que aqui assina os vinhos Quinta da Lapa. Foi a primeira surpresa. A beleza do espaço, os pedaços de história em cada recanto, a árvore.de grande porte que nos recebe no pátio e provavelmente plantada aquando da fundação da casa, o projecto de enoturismo impecavelmente desenhado pela própria arquitecta Sílvia Canas da Costa (11 suítes), a orografia ondulada das vinhas e, claro está, as novas colheitas Quinta da Lapa, tudo no seu conjunto me deixou boquiaberto e a pensar noutras quintas da Lapa que se devem esconder neste país. Sendo responsável pelos vinhos, é natural que Jaime Quendera faça o elogio das condições naturais deste "micro terroir", mas, como conheço o Jaime há muitos anos e sei que ele tem a virtude de dizer sempre o que pensa e de forma esfuziante (às vezes é mesmo dificil acompanhá-lo), não me custa acreditar que a orografia da quinta e a relativa proximidade ao mar fazem com que se registem aqui amplitudes térmicas cujo resultado são uvas equilibradas entre o estado de maturação e os ní- veis de acidez.

Uvas estas que dão origem a brancos e tintos frescos, nada extraídos, nada pesados ou alcoolicamente desequilibrados. Fruto de um trabalho de restruturação de vinhas, a quinta tem, para brancos e tintos, as grandes castas da moda, com algum pendor para as estrangeiras de renome.

Sucede, todavia, que algumas castas estrangeiras adquirem aqui como que urna personalidade pró- pria. Peguemos, por exemplo, na polémica Merlot. Como se sabe, só os franceses de Saint-Émilion morrem de amores pela variedade. Qualquer amante de Pinot Noir gosta mesmo de afirmar com galhardia que a casta Merlot 'não faz parte da sua religião'.

Na realidade, nunca em Portugal nasceu um Merlot de encantar. O velho Má Partilha, da Bacalhoa Vinhos, foi didático, mas não passava disso. Já o Merlot da Quinta da Lapa tem uns aromas pouco usuais para casta, sentindo-se notas delicadas de frutos de baga, chocolate e café, com taninos macios e uma estrutura. E, em matéria de frescura vínica, quem fala de Merlot fala dos varietais Cabernet Sauvignon, Syrah ou Touriga Nacional.

Temos também um branco reserva de Arinto e Tamarez com boas notas minerais, um espumante cativante, assim como o Nana, tinto de lote feito em honra da mãe de Sílvia, que encanta por estar marcado pelo perfil do Cabernet Sauvigon. Por fim, a novidade - o tinto de homenagem a Santa Teresa d'Ávila. E porquê? Porque D. Lourenço de Almeida, fundador da Quinta da Lapa, tinha uma devoção tal pela carmelita e Doutora da Igreja que mandou registar em pedra, na porta de entrada do edifício principal da quinta, o seguinte poema: "Nada te perturbe, nada te espante/tudo passa, Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta". A família que gere hoje a quinta não me parece tocada pela fé com a mesma intensidade de D. Lourenço, mas, numa altura em que se comemoram os 500 anos do nascimento da santa, entendeu que um tinto de homenagem faria sentido, pelo que, na adega, criaram um lote com o melhor que tinham de quatro castas em percentagens iguais (Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional, Syrah e Merlot). Não é um tinto para piscar o olho aos católicos, mas, pode dar sempre jeito aos que têm devotos na família.

Tenho umas tias que parecem saídas da Relíquia do Eça, mas como já não estão em idade de beber, eu mesmo, com total falta de fé, tratarei condignamente de uma garrafa que possuo do Quinta da Lapa Homenagem Reserva 2013.

Por Eduardo Pacheco
Fonte; Revista Negócios

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