Depois da Vaca Louca, Toro Loco
Por Wagner Gabardo
A Redação de Culinária do Portal Terra anda com sérios problemas. Além de incluir em seus textos belíssimas transcrições fonéticas como “chadoné” e testar meu astigmatismo em “cabermet”, os jornalistas desse editorial andam insistindo na história do melhor vinho do mundo que custa vinte e cinco reais.
Estão parecendo tablóides sensacionalistas tentando emplacar manchetes a qualquer custo. E isso parece estar funcionando. Tenho sido questionado por alunos em meus cursos de vinhos sobre o tal Toro Loco e recebido links da internet de diversos amigos sobre o mesmo assunto, extraídos do portal de notícias citado acima.
Me sinto na obligación de expor minha opinião sobre o assunto. Vamos as manchetes:
“Vinho de R$11,50 é eleito um dos melhores do mundo”. Sem data. 7,2mil curtidas no Facebook
Texto fala sobre Toro Loco – vinho tinto de Tempranillo da região de Utiel Requena, Espanha – que recebeu medalha de prata no International Wine & Spirit Competition (IWSC), concurso realizado anualmente no Reino Unido. O artigo exalta a proeza de um vinho barato ter superado outros de preço superior em uma degustação as cegas.
Parabéns Toro Loco, sua conquista reforça o argumento que sempre defendo: degustação as cegas é a melhor maneira de se avaliar um vinho. Nem sempre o preço, rótulo bonito ou procedência são garantias de qualidade. Devemos provar o que for, sem preconceitos, e não ter vergonha de achar o vinho mais barato melhor que o mais caro.
Até aqui tudo bem, agora elevar o Toro Loco a categoria de “melhores do mundo” é um exagero.
Seguinte notícia:
“Vinho eleito o segundo melhor do mundo chega ao Brasil”. 6/junho/2012. 414 curtidas no Facebook
Aqui o portal consegue deturpar mais ainda a realidade dos fatos.
Algumas coisas a serem consideradas. Concursos de vinhos são realizados no mundo todo e distribuem diversas medalhas por edição a todos os vinhos que desejarem se inscrever e alcancem uma pontuação mínima exigida para obter um diploma, medalha ou ambos. É mais ou menos como você que já correu uma meia maratona na sua vida, chegou não-sei-em-qual posição e ganhou uma medalha no final por ter completado a prova. Parabéns, medalha merecida, já que eu provavelmente abandonaria a corrida no meio do caminho com cãibras.
Existem, mundo afora, concursos de vinhos mais ou menos sérios, com maior ou menor prestígio, com jurados aleatoriamente ou cuidadosamente escolhidos para avaliar os vinhos inscritos. Participar destes concursos é um boa oportunidade para um vinícola perceber a aceitação dos seus vinhos e pode abrir as portas para o mercado, caso seus rótulos sejam bem avaliados. Afinal, existem milhares de pequenos produtores de qualidade esperando para serem descobertos e que muitas vezes não dispõem de grana para custosas campanhas de marketing. Participar de um concurso custa muito menos, é só mandar umas garrafas.
Concursos como o Mundial de Bruxelas, podem realmente alçar as vendas de um vinho que passa a ser comercializado com brilhantes medalhas adesivas de cor dourada ou prateada coladas no pescoço da garrafa. É o caso também do IWSC, concurso bastante visado já que se realiza em um dos maiores mercados consumidor de bebidas no mundo – no qual o vinho espanhol também se inscreveu.
No entanto, o Toro Loco em momento algum foi eleito o segundo melhor vinho do mundo, ele apenas ganhou uma medalha de prata, junto com outros 1097 (mil e noventa e sete) vinhos.
Acima dele, ainda haviam as medalhas “Super prata” (tradução livre de Silver Outstanding) com 171 premiados, mais 74 medalhas de Ouro e 12 de “Super Ouro” (Gold Outstanding). Ao total, 2886 vinhos ganharam medalhas na edição 2012 do concurso.
Nestes eventos os jurados tem a exaustiva tarefa de provar dezenas, quando não centenas de vinhos durantes dias seguidos e atribuir-lhes notas. Segundo a pontuação alcançada, o vinho é premiado com medalhas específicas ou recebe um certificado de “honra ao mérito” pela participação.
A ordem de degustação nestes concursos pode não fazer justiça com determinados vinhos. Talvez um vinho mais delicado e sutil desapareça quando provado logo após um vinho super intenso e encorpado. Qual merece melhor nota se possuem estilos diferentes? Além disso, por mais experiente que seja nessa tarefa, nenhum jurado é uma maquina de degustar calibrada para manter precisão. Nosso paladar uma hora cansa.
Minha intenção não é desvalidar esses concursos, pelo contrário, são ótimos para que vinhos como Toro Loco se tornem conhecidos e sejam valorizados. Agora fazer tanto alarde com este vinho não entendi o porquê. Ou sim. Todos estão com vontade de provar o Toro Loco, não? Expertos que os importaram.